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Rafael Fonteles (PT) torra R$ 379 milhões do SUS em plataforma de saúde invisível

Dinheiro do SUS é repassado mensalmente, mesmo sem comprovação de uso real do sistema.

Por: André Nogueira Fonte: Com informações : Manchete Nacional
30/06/2025 às 18h09 Atualizada em 30/06/2025 às 18h41
Rafael Fonteles (PT) torra R$ 379 milhões do SUS em plataforma de saúde invisível

O Governo do Piauí, sob a gestão do governador Rafael Fonteles (PT), tem direcionado cerca de R$ 379 milhões em verbas federais do SUS para o programa Piauí Saúde Digital. Apresentado como um projeto de transformação tecnológica na saúde pública, o programa é cercado por questionamentos sobre sua efetividade, legalidade e transparência.


O contrato nº 340/2023, firmado entre a Secretaria de Estado da Saúde (SESAPI) e a empresa Integra Saúde Digital, prevê o pagamento mensal de aproximadamente R$ 15 milhões, valor calculado com base na população total do estado, como se todos os 3,2 milhões de piauienses fossem usuários ativos da plataforma.

Especialistas apontam que a execução do projeto ignora fatores básicos como acesso à internet, alfabetização digital, localização geográfica e condição socioeconômica da população. Relatos de profissionais de saúde e técnicos do interior indicam que muitos sequer ouviram falar do sistema.

Cálculos errados e valores inflados

Na análise do contrato, a reportagem identificou erros matemáticos graves. Em uma das planilhas de justificativa de custo, a multiplicação de 3.289.290 por R$ 1,25 aparece como R$ 49 milhões, quando o valor real seria R$ 4,1 milhões. Em outro ponto, o mesmo número de habitantes multiplicado por R$ 2,75 aparece como R$ 108 milhões, embora o resultado correto seja R$ 9 milhões.

Essas distorções não apenas passaram despercebidas pela administração estadual, como também foram utilizadas como base para definir os valores dos repasses. Técnicos da área apontam que os erros vão além de simples descuidos, podendo configurar tentativa deliberada de superfaturamento.

 




Pagamento garantido, uso incerto

O contrato não estabelece metas de desempenho, indicadores de uso, nem parâmetros de avaliação da plataforma. A empresa contratada recebe integralmente, todos os meses, mesmo que nenhuma consulta seja realizada. Não há mecanismos de glosa, relatórios auditáveis ou fiscalização pública sobre a efetividade do serviço.

A cláusula 8.2.30 do contrato exige relatórios mensais com detalhamento das atividades executadas. No entanto, até o momento, nenhum desses documentos foi publicado ou disponibilizado à imprensa. A SESAPI foi procurada, mas não respondeu.

Licitação que não existiu

Apesar de o contrato ter sido firmado por inexigibilidade de licitação, o próprio processo administrativo reconhece a existência de diversas outras empresas capazes de prestar o mesmo tipo de serviço. Entre elas, Einstein Conecta, Doutor Ao Vivo, Morsch Telemedicina, Iron Saúde, Portal Telemedicina e outras.

A legislação brasileira, por meio da Lei 14.133/2021, estabelece que inexigibilidade só é válida quando não houver possibilidade de competição. Para projetos considerados complexos ou inovadores, o procedimento de diálogo competitivo poderia ter sido utilizado — o que não ocorreu.

Verba do SUS usada sem critérios

Todos os repasses à empresa foram feitos por meio da Fonte 600, composta por recursos federais do Sistema Único de Saúde. Esses valores são tradicionalmente destinados à compra de medicamentos, atenção básica, custeio de unidades de saúde e ações de vigilância sanitária. Usá-los para custear uma plataforma digital sem garantia de funcionamento efetivo é, no mínimo, controverso.

Em um estado marcado por precariedade em sua rede de saúde, onde faltam médicos, exames e até itens básicos como soro e gaze, o investimento milionário em uma tecnologia pouco acessível e mal distribuída agrava a desigualdade.

Plataforma desconhecida na ponta

A reportagem ouviu técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde de municípios do semiárido piauiense. Muitos afirmam desconhecer o Piauí Saúde Digital. “Aqui a gente tem um postinho com clínico a cada 15 dias. Internet só na sede da prefeitura. Essa plataforma nunca chegou aqui”, relatou um servidor de saúde, sob anonimato.

Mesmo assim, esses municípios estão incluídos no cálculo populacional que justifica o pagamento mensal à empresa.

Investigação e responsabilização

Juristas consultados pela reportagem indicam que há elementos suficientes para a abertura de inquérito por:

• Lesão ao erário público
• Contratação direcionada sem licitação válida
• Violação dos princípios da economicidade, eficiência e publicidade
• Uso indevido de recursos federais


O modelo adotado no contrato levanta preocupações sérias sobre governança, transparência e legalidade na aplicação de verbas públicas destinadas à saúde.

Um projeto com aparência de inovação, mas recheado de contradições

O Piauí Saúde Digital foi apresentado no exterior como um símbolo da modernização da gestão petista. Mas, na prática, pode estar servindo mais como ferramenta de propaganda política do que como solução real para os problemas da saúde pública.

A falta de resultados concretos, a opacidade nos dados e os erros nos cálculos de custos lançam dúvidas profundas sobre a integridade do projeto. A plataforma existe, o contrato também. Mas, para a maior parte da população, o serviço é invisível — e extremamente caro.

 

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